Portugal planejou a conquista do Brasil
Em 22 de abril de 1500, a esquadra portuguesa, composta por dez naus e três caravelas, sob as ordens do fidalgo Pedro Álvares Cabral, chegou ao litoral baiano – o local exato do desembarque ainda é motivo de discussão entre moradores de Porto Seguro e de Baía Cabrália. Alguns continuam insistindo em usar a expressão “descobrimento do Brasil”, quando o correto é “conquista do Brasil”, gostem ou não os simpatizantes do colonialismo lusitano.
O termo deturpado passou a ser comum depois do decreto de Felipe II, da Espanha, em 1556, proibindo o uso da expressão “conquista da América” nos documentos oficiais, porque preservava na memória a existência de guerra, invasão, massacre, luta entre o conquistador europeu e os povos americanos ou pré-colombianos. Tal decreto alcançou o Brasil quando este passou a pertencer à coroa espanhola durante a crise sucessória, de 1580 a 1640. E para camuflar ações violentas dos colonizadores portugueses, tornou-se comum ouvir que “Pedro Álvares Cabral descobriu o Brasil”.
firmar a descoberta do Brasil pelos portugueses pressupõe a crença de que estes desconheciam a existência destas terras. Sendo assim, não haveria sentido em o rei dom João II lutar pela assinatura de um tratado com a Espanha que favorecesse seu país, assegurando-lhe boa porção de terras no novo continente, cerca de seis anos antes da chegada de Cabral.
Inter Coetera
Com o retorno de Colombo à Europa, em 1492, após a primeira viagem à América, os reis católicos da Espanha, Isabel de Castela e Fernando de Aragão, trataram de garantir as terras conquistadas solicitando ao papa Alexandre VI – Rodrigo Borgia -, que era espanhol, um documento concedendo-lhes os direitos de posse. Assim, a Bula Inter Coetera (Entre Outras Coisas) delegava todas as terras do Ocidente ao reino espanhol. Trabalhando rápido, os espiões palacianos alertaram dom João II, de Portugal, que protestou e ameaçou iniciar um conflito na Península Ibérica.
No ano seguinte, 1493, pressionado pela ala católica portuguesa, o papa Alexandre VI assinou a segunda Bula Inter Coetera, estabelecendo a divisão das terras americanas entre Espanha e Portugal. Nela, ele determinava que todas as “terras” até cem léguas das ilhas de Cabo Verde seriam de Portugal, além disto, a oeste, seriam da Espanha. Sentindo-se enganado, pois só restava a Portugal o Oceano Atlântico, o rei ameaçou novamente iniciar uma guerra contra a Espanha.
Apavorados, os espanhóis recorreram ao chefe da Igreja que, em 1494, emitiu a terceira Bula Inter Coetera, traçando nova linha imaginária a 370 léguas das ilhas de Cabo Verde. As condições foram aceitas e o acordo assinado em 7 de junho na cidade espanhola de Tordesilhas, dando nome ao tratado divisório. O jornalista e historiador Eduardo Bueno, em Capitães do Brasil, corrobora com esse fato. “Em 1494, castelhanos e portugueses tinham dividido o mundo ente si. Alijados daquela partilha, os franceses não aceitavam a validade jurídica dos acordos firmados na pequena cidade de Tordesilhas”, pois contra este se levantou o rei francês Francisco I, perguntando onde estava “o testamento de Adão dividindo o mundo entre Portugal e Espanha”.
Outros conquistadores
É provável que outro navegador (ou outros) aportou por aqui antes de 1500, conforme documentos da época. Em 1498, o rei dom Manuel ordenou a Duarte Pereira viajar pela mesma rota de Vasco da Gama. Entretanto, em seu relato, no livro Esmeraldo de situ orbi, Duarte Pereira cita a ordem secreta do rei mandando “descobrir a parte ocidental, passando além da grandeza do mar Oceano, onde foi achada e navegada uma tão grande terra firme, com muitas e grandes ilhas adjacentes”. Talvez, a este, deva-se o mérito de ser o primeiro português a chegar ao Brasil.
Sabe-se hoje que os fenícios (séc. X ao IV a.C.) estiveram no Rio de Janeiro, conforme inscrições (contestadas por pesquisadores) na Pedra da Gávea. Além destes, outros fenícios, sob as ordens do rei Zedequias de Judá, estiveram na Argentina, próximo a La Rioja. No ano 1000 d.C. o viking Leif Erickson alcançou a costa canadense, bem antes do italiano Giovanni Caboto levar os méritos da tal façanha, em 1497, a serviço da coroa britânica.
Ensina-se, então, às crianças, que portugueses e espanhóis “descobriram” uma terra com cerca de 88 milhões de habitantes e não um vazio demográfico. Uma contradição em termos. Além disso, alguns dos povos pré-colombianos eram muito mais avançados em civilização do que qualquer nação européia da época.
Os astecas, no México, dominavam as técnicas da ourivesaria, cerâmica e tecelagem, realizavam grandes construções e tinham escrita e calendário próprios. Já os maias construíram grandes pirâmides e criaram um calendário muito preciso, tendo também um sistema de escrita. Enquanto os europeus estavam presos à ignorância e ao atraso científico, estes estudavam o espaço em observatórios de astronomia. Na América do Sul, uma das mais avançadas civilizações do Ocidente, a incaica, pavimentava estradas, construía aquedutos e canais de irrigação.
Alguns podem apontar as mazelas existentes entre os povos nativos como provas de sua brutalidade e incivilidade. Não é possível se esquecer da violência empregada pela inquisição na Europa, as infindáveis guerras e invasões justificadas sob o pretexto da expansão da fé ou da vaidade de nobres acéfalos. Portanto, o que ocorreu a partir de 1492 foi a invasão da América pelos portugueses e espanhóis que, impiedosamente, em nome do cristianismo espúrio, barbarizaram milhões de habitantes deste continente, conquistando-o definitivamente.
E foi esse perfil grotesco que norteou parte das características dos habitantes das futuras nações do continente, muito bem-retratadas em Terra Papagalli pelos jornalistas e romancistas José Roberto Torero e Marcus Aurelius Pimenta: “E daquela terra que hoje chamam Brasil, esquecendo o nome que lhe deram seus primeiros moradores, digo que pouco proveito se pode tirar dela, porque vem se povoando com homens cobiçosos… está bem parecida com a nossa (Portugal), onde reinam a burla, a roubaria e mais pode quem é mais velhaco… naquela terra de fomes tantas e lei tão pouca, quem não come é comido.” Não há necessidade de se interpretar a fiel representação delineada por Torero e Pimenta. Quem lê, entenda conforme a água agita sua embarcação.
(Texto baseado em “Cabral Conquistou o Brasil”, artigo publicado em O Estado do Paraná, em 22/4/1997, e no livro Liberdade Vigiada, em 2002)
Fonte: Assis Ribeiro – Outra Leitura
Postado por Ernesto Albuquerque
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